Nestlé vende ativos à Bela Vista (Piracanjuba) e deixa negócio de leite longa vida
09/08/2019 às 09:30

Dez anos após construir sua primeira fábrica de leite longa vida no Brasil, a multinacional suíça Nestlé vai deixar a atividade no país. A empresa anunciou ontem a venda de unidades à Laticínios Bela Vista, dona da marca Piracanjuba. Paralelamente, licenciou as marcas Ninho e Molico para a empresa goiana, pelas quais receberá royalties.

De acordo com fontes da indústria, o negócio faz parte de um movimento mais amplo da Nestlé, que vem revisando seu portfólio global em busca de operações mais rentáveis. Além da área de leite longa vida, a Nestlé quer se desfazer da Dairy Partners Americas (DPA), sociedade com a cooperativa neozelandeza Fonterra que atua em iogurtes no mercado nacional.

No Brasil, o negócio leite longa vida (UHT) é conhecido pelas margens de lucro baixas. Além disso, o ritmo fraco da economia brasileira tem prejudicado o consumo de lácteos. No momento, a oferta de leite é ampla - também devido às importações - e a demanda, reprimida.

A Nestlé não divulgou os dados financeiros da transação, mas uma fonte do setor estima que as operações de leite longa vida da múlti faturam cerca de R$ 500 milhões por ano, montante pequeno para o tamanho da suíça, que teve uma receita líquida de R$ 14 bilhões no Brasil em 2017, segundo o último anuário Valor 1000. Globalmente, as vendas da multinacional superam US$ 90 bilhões.

Pelo acordo de licenciamento de marcas, válido por dez anos, a Bela Vista deve pagar algo próximo de 5% das vendas, segundo estimativas de dois executivos. Com a compra, o faturamento da Bela Vista pode aumentar mais de 15%. Em 2017, a companhia teve uma receita líquida de R$ 2,9 bilhões.

De fato, a penetração da Bela Vista no negócio de leite longa vida é bem maior que a da Nestlé. A dona da Piracanjuba, que também detém a marca LeitBom, está entre as três maiores do segmento, ao passo que a suíça não figura entre as dez principais, conforme uma fonte.

Na área de lácteos como um todo, porém, a multinacional suíça é gigante - sobretudo devido à produção de leite em pó. Trata-se da segunda maior compradora de leite do Brasil, só atrás da francesa Lactalis. Em 2018, a Nestlé captou 1,7 bilhão de litros de leite no país.

Devido à menor relevância da Nestlé no negócio de leite longa vida, o acordo com a Bela Vista não deve enfrentar dificuldades no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A transação deve ser comunicada ao Cade nos próximos dias e a estimativa da Nestlé é que a autarquia avalie a operação até o fim do ano, quando a Bela Vista poderá, então, assumir a operação acordada. Para o vice-presidente de marketing da Nestlé, não se trata de operação que crie um grau de concentração importante no mercado de longa vida.

Para a estratégia da Bela Vista, a aquisição das fábricas da Nestlé é complementar. Dada a localização das unidades, não há sobreposição geográfica. Atualmente, a empresa goiana tem quatro fábricas, localizadas em Bela Vista de Goiás (GO), Governador Valadares (MG), Maravilha (SC) e Sulina (PR). Juntas, as unidades têm capacidade de processar mais de 5 milhões de litros de leite por dia. A companhia emprega cerca de 2,6 mil pessoas.

Com a aquisição, o grupo goiano assumirá as fábricas de leite longa vida que a Nestlé possui em Araraquara (SP) e Três Rios (RJ). Uma terceira unidade, localizada em Carazinho (RS), será compartilhada pelas duas companhias.

Na avaliação de fontes da indústria, a Bela Vista terá ganhos de sinergia com a aquisição e poderá agregar rentabilidade com Ninho e Molico. Em geral, as duas marcas são comercializadas com preços entre 20% e 30% acima da média, afirmou um empresário do setor.

Em um negócio de baixa rentabilidade, as marcas podem ser um diferencial para a Bela Vista. Além disso, o mercado nacional de leite longa vida é pulverizado e tem pouco espaço para um aumento das vendas dado o perfil de consumo dos brasileiros, afirmou o analista sênior do Rabobank, Andres Padilla. Nesse cenário, o crescimento por aquisições faz mais sentido.

A pulverização da indústria de leite longa vida representa um desafio para as empresas do setor. "O mercado de UHT no Brasil tem margens baixas porque tem muitas marcas e pouca diferenciação entre os produtos, o que deixa os supermercados com muito poder de barganha", acrescentou Padilla.

(Fonte: Valor Econômico)

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