Por décadas, a rede de atacado Makro foi modelo de referência na venda para empresas, como bares, restaurantes e hotéis, especialmente nos períodos de inflação alta, nos anos 80 e 90. Após uma resistência que durou anos, há uma nada sutil mudança no modelo de atuação no país. O Makro decidiu entrar mais pesadamente no "atacarejo", formato de atacado que atende o consumidor final.
Até então, a venda ao consumidor final ficava quase escondida dentro da operação, como preferiam os controladores holandeses da SHV. Mas a acelerada expansão do atacarejo no país - após anos de magro crescimento do Makro por aqui - obrigou a companhia a rever o posicionamento.
Desde maio, a rede tem investido em campanhas publicitárias em horário nobre na TV, algo raro em sua história recente, para trazer esse cliente para a loja. São 74 pontos no país.
Em abril, também passou, de forma inédita, a aceitar todos os cartões de crédito - antes só era permitido o cartão do Makro. "Meu contrato com o grupo SHV é para reposicionar o Makro. As coisas mudaram e, depois de um tempo, ficou evidente que era preciso se adaptar a isso. O consumidor já podia comprar conosco, mas não sabia disso porque não comunicávamos, já que a nossa prioridade era trabalhar a venda ao autônomo", diz Marcos Ambrosano, presidente da rede no país.
"A questão é que, com a crise, você teve um 'boom' de pequenos comerciantes no país e eles precisam do atacado. Mas se você não deixar claro para esse cliente que ele pode comprar para a empresa e também para a família, e sem burocracia, você está perdendo cliente", acrescenta.
A mesma campanha em veiculação na TV destaca que a rede não vende só para grandes empresas, outra percepção sobre a marca que acabou se difundindo - erroneamente, na visão do comando.
Por anos, o Makro teve sua marca relacionada ao "Passaporte Makro" e o cliente precisava tê-lo para ter acesso a alguns serviços e benefícios. Esse entendimento de que o Makro não aceitava clientes sem um cadastro ou o passaporte afastava os consumidores da loja. O passaporte ainda existe, mas sua contratação foi deixando de ser obrigatória até que, em maio, a rede veio a público comunicar o fato. No filme publicitário o mote é "No Makro todo mundo pode, sim".
A empresa não abre os resultados gerados com as ações de marketing. Limita-se a dizer que o retorno é positivo, em termos de tráfego e vendas. De qualquer forma, o desempenho recente do grupo no país evidencia a necessidade de reação. Nos últimos cinco anos, quando o atacarejo começou a se expandir e se consolidar no Brasil, o crescimento médio anual do Makro foi de pouco menos de 3%, segundo dados de balanços anuais.
Nesse intervalo, Assaí e Atacadão cresceram dois dígitos - a expansão chegou a quase 30% em um ano. Na atual fase, já de menor aceleração, a alta nas vendas líquidas foi de 8% no Atacadão (que pertence ao Carrefour) e de 27% no Assaí, do Grupo Pão de Açúcar, em 2017.
O movimento deve exigir do Makro mudanças internas. A rede terá que dividir a loja voltada ao antigo e fiel cliente pessoa jurídica com o consumidor do dia a dia. Também emitirá mais cupons fiscais, solicitado por pessoas físicas e pelos autônomos que nem sempre trabalham formalmente, e compram com o próprio CPF. É outro modelo a gerir, e com novos custos fixos envolvidos.
O executivo diz que esse processo de mudanças, iniciado em 2017, deve ter reflexos negativos nos resultados num primeiro momento. No balanço, há pressões que vão do estoque ao nível de despesas.
No "atacado puro", os acordos são mais focados em compras de longo prazo, que geram altos estoques e elevados pagamentos de verbas à loja. Em 2016, a empresa teve um lucro líquido de R$ 3,7 milhões, mas fechou 2017 com perda. A rede não informa o valor.
"Foi algo que já era esperado pelos controladores, e necessário para darmos resultado lá na frente", diz. Antes de Ambrosano, há um ano e meio no cargo, o Makro teve dois CEOs no intervalo de menos de um ano. Insatisfação com os resultados fez os controladores mudarem a direção, apurou o Valor.
A receita líquida da rede foi de pouco menos de R$ 8 bilhões no ano passado, próximo dos R$ 7,7 bilhões de 2016. "Este ano já está sendo melhor, porque os clientes estão vindo num bom momento, depois de termos reformado as lojas em 2017 e após termos passado a aceitar os cartões".
Segundo o executivo, nos três primeiros meses do ano a variação nas vendas foi negativa, mas no segundo trimestre houve recuperação, com avanço de "um dígito".
Uma das resistências da empresa ao modelo de atacarejo era o risco de perder o cliente pessoa jurídica. Um comprador, como um supermercado ou um bar, poderia achar que o Makro está concorrendo com ele, ao vender ao mesmo consumidor final. Anos atrás, um ex-CEO mencionou esse risco em entrevista, ao descartar a hipótese de explorar o atacarejo.
Sobre essa questão, Ambrosano diz que "o cliente pessoa jurídica continuará sendo o DNA da rede e a prioridade. Nada será feito em detrimento dele".
Na avaliação de Manoel Antonio de Araújo, diretor da consultoria Martinez Araújo, o desafio nesse processo é não frustar o novo cliente, o consumidor final, sem que o comprador antigo sinta que está perdendo espaço na loja. "O Makro sempre foi referência no atacado com seus contratos de longo prazo com a indústria e na força das marcas próprias, por exemplo. Um reposicionamento envolve repensar inclusive os seus pontos fortes", afirma.
A rede pretende retomar as aberturas de lojas a partir de 2019. "A ideia é abrir uma ou duas lojas em 2019 e ir aumentando as inaugurações gradualmente", diz Ambrosano. A última abertura ocorreu em 2014. Desde 2017, 60 lojas foram reformadas, num investimento de R$ 17 milhões. A empresa ainda desenvolve um aplicativo para os clientes, que terá ofertas personalizadas.
(Fonte: Valor Econômico)
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