Dias antes de Alexandre Bompard completar um ano à frente do comando global do Carrefour, em 18 de julho, a quinta maior rede de varejo alimentar do mundo atingiu uma de suas mínimas históricas na bolsa francesa. Em 13 de julho a empresa valia € 10,4 bilhões, com ação a € 13,14 - o menor nível em seis anos. Desde a chegada de Bompard ao posto de CEO, com apoio dos sócios e o anúncio de um plano para dar uma chacoalhada na rede, as ações haviam perdido 43% de seu valor.
"Um plano [de transformação] crível ainda está para se firmar", dizia, em julho, o analista do Citigroup Nick Coulter, ressaltando que a recuperação dos hipermercados na França, maior mercado do grupo, não se mostrava "convincente". Dúvidas sobre a capacidade da rede de atingir as metas e perspectivas de resultados fracos no ano alimentavam o ceticismo dos analistas. Mas, após a publicação do balanço do primeiro semestre, no fim do mês passado, começaram a surgir sinais de mudança.
"A maré parece estar virando para o Carrefour", disse Bruno Monteyne, analista do Bernstein, reforçando que a divulgação trouxe "alívio" aos investidores. Na apresentação dos números, em 27 de julho, Bompard detalhou também as iniciativas do plano de reorganização que avançaram nos últimos seis meses. Desde esse dia, as ações subiram 10%, para € 15,09. O valor está abaixo do pico do ano, de € 19,61 em fevereiro, porém mais distante dos € 13, patamar perigoso ao se considerar a mínima histórica, de € 11,11, de julho de 2012.
O papel chegou nesse preço na gestão de Lars Olofsson, que cedeu o posto a Georges Plassat, retirado do cargo pelos controladores em 2017, após resistir a mudanças. Nos últimos dias, o jornal Valor entrevistou analistas, ex-funcionários e fontes ligadas ao grupo para entender os efeitos iniciais do programa de Bompard, as dificuldades do projeto e como o Brasil faz parte disso.
A primeira conclusão é que há um efeito inicial sobre a cultura da empresa, considerada mais lenta e avessa a mudanças do que outros varejistas. "Bompard abriu armários que ninguém queria mexer. É algo complicado, mas se ele não o fizesse poderia 'queimar a largada'. E num grupo com estruturas muito consolidadas, ele não poderia passar a percepção de começar mal", diz um investidor.
Bompard chegou a comentar o assunto na apresentação dos resultados do primeiro semestre: "É uma mudança de modelo, para que sejamos realmente multiformato, e isso não apenas no 'powerpoint'. Temos que adaptar esta cultura à mudança que estamos levando. Então, claro, não é fácil." O plano do CEO é ampliar o peso do negócio digital; acelerar inovações e parcerias globais (neste ano anunciou acordos com o Google e a chinesa Tecent) e nas lojas físicas; e melhorar qualidade de produtos e preços. Em suma, trata-se de redesenhar o negócio mundial do Carrefour.
Os passos iniciais foram dados, conclui a maioria dos seis relatórios de bancos lidos pelo Valor, mas será preciso mover "mais montanhas" para que o projeto avance, diz um ex-diretor da companhia. Em seis meses de implementação, há ações em estágios variados. Muitas ainda nem deixaram o papel. Bompard decidiu, por exemplo, congelar contratos com praticamente todas as consultorias globais, apurou o Valor. Prestam serviço para a rede empresas como McKinsey, Bain & Company e BCG. "Eles só trarão os consultores de volta quando o negócio melhorar, o que pode parecer um contrasenso. Mas ele [Bompard] diz que, se as consultorias estavam acertando, porque estão reestruturando a empresa?", observa uma fonte.
Outro aspecto envolve acordos de fornecimento. O Carrefour tinha 26 fornecedores de gôndolas de supermercados. "Você acha que isso fazia algum sentido? Não gerava escala nem barganha na negociação. Está caindo para bem menos", afirma uma fonte. Bompard também se debruçou sobre as negociações para dispensar funcionários, tema sensível para grandes grupos na França, onde os sindicatos têm forte poder político.
Foi preciso, em seis meses, abrir negociações com 12 sindicatos para, primeiro, fechar planos de demissão voluntária de 2% do total de empregados no país. A meta é dispensar 2,4 mil funcionários na França até novembro. "Havia dúvidas sobre a capacidade de negociar esse acordo com sindicatos.
Então, se conseguissem passar a ideia de que isso avançou, o recado que ficaria seria: 'Se na França eles conseguem, em outros países pode ser mais fácil", diz uma pessoa próxima à matriz. Além da França, podem ocorrer cortes de pessoal na Bélgica e na Argentina, apurou o Valor. Sobre a operação do Carrefour no Brasil, o discurso inicial era de que a subsidiária já estava ajustada, após reestruturação ampla feita seis anos atrás. Nessa época, o site foi suspenso, lojas foram fechadas e hipermercados, reformados.
A entrada da Península Participações, holding que administra os negócios de Abilio Diniz, como sócia em 2014, também teria acelerado mudanças. Ainda assim, discretamente, o Carrefour no Brasil tem feito enxugamentos (veja ao lado). Sobre o projeto global, a Península não faz comentários. Ao Valor, em nota, Abilio Diniz afirma que "confia no 'management' na França e no Brasil e no plano diante dos desafios e oportunidades".
Em momentos como este, os investidores buscam fatos e sinalizações para decidir se continuam ou não apostando na empresa. Na teleconferência de resultados, Bompard mencionou por 12 vezes o mês de janeiro, quando anunciou as metas do plano de reestruturação. Para algumas pessoas próximas à companhia, fez isso para reforçar que estava entregando uma parte do que havia prometido.
"A intenção ali não era só tratar do ganho operacional, como no digital, mas especialmente do que mudou no lado financeiro", diz uma fonte. Na linha dos custos, a empresa anunciou um corte de quase € 520 milhões no primeiro semestre. É um quarto do plano de redução de despesas de € 2 bilhões até o fim de 2020. Parte do dinheiro - Bompard diz que não abre valores - está virando investimento em preço na França, para a rede ser mais competitiva no mercado onde mais sofre da concorrência hoje.
Após três anos, pela primeira vez, o grupo voltou a ganhar participação de mercado neste ano (ainda perde em hipermercados). "O fato de termos falta de competitividade na França nos levou a investir mais rápido lá, o que diminui um pouco nossa lucratividade", disse Bompard a analistas. Para que essa conta fechasse, projetos foram congelados e despesas foram cortadas. Os planos para reformar hipermercados, por exemplo, pararam. O Carrefour é dono da cadeia Dia na França e prevê fechar 273 lojas nesse país - 29 já foram vendidas e o restante está sendo negociado. Os investimentos caíram em algumas áreas. O valor foi reduzido quase 40% até junho, melhorando o volume em caixa. A aplicação dos recursos foi repensada e a maior parte foi destinada para tecnologia da informação (TI), negócio central para o projeto de transformação da empresa. Fonte: Jornal Valor Econômico
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