REVISTA GÔNDOLA: Afinal, quem sua empresa é?
21/02/2022 às 17:08

 

Giovanni Peres

A busca por resultados em uma empresa é capaz de apontar uma grande quantidade de caminhos e direções diferentes. Há quem diga que a solução passa por questões financeiras, outros que faltam decisões estratégicas e ainda vão aparecer aqueles que resumem o problema à falta de processos bem estabelecidos para o funcionamento da empresa. O que quase nunca se diz é que o primeiro passo que está faltando e que seria capaz de nortear todos os demais é o conjunto de desafios que envolve a cultura organizacional.

Uma empresa que não consegue identificar sua cultura organizacional está longe do ponto de partida e precisa fazer isso com urgência, pois como já dizia o filósofo Sócrates, 480 anos antes de Cristo, “o começo de tudo é sempre conhecer a si mesmo primeiro, para depois agir”. O que, na maioria das vezes, não é uma tarefa fácil. Nem sempre as empresas estão preparadas e dispostas a assumirem que precisam definir sua cultura organizacional ou terão que deixar à sorte da que já existe, não conhece e muito menos controla.

Para se ter uma ideia do grau de dificuldade do desafio relativo à cultura organizacional, devemos lembrar que ela envolve as atitudes no ambiente de trabalho, as regras formais e informais seguidas pelas equipes, as crenças, costumes, hábitos, visão, valores, normas, símbolos, linguagem, estrutura física, entre outros elementos que fazem da empresa o que ela é.

Dia a dia

A expressão da cultura é feita pelas pessoas envolvidas nos processos, especialmente os colaboradores, e não pelas regras formais ou pelo que a empresa gostaria que fosse. Em resumo: a cultura pode ser entendida como o conjunto de elementos que determina como um negócio funciona na prática. Ou seja, a cultura organizacional não é definida apenas pelo que a empresa prega nos seus manuais e valores, mas no que ela exerce no dia a dia, junto aos colaboradores, diretores, clientes, fornecedores e sociedade em geral. 1

De acordo com artigos publicados por especialistas em Administração de Empresas e Psicologia, em uma situação limite um dirigente poderá descobrir ao pesquisar a cultura organizacional de sua empresa, por exemplo, que um caráter marcante dela é o não cumprimento dos manuais e dos valores estabelecidos pela alta direção. Certamente uma surpresa nada agradável ou, quem sabe, boa no sentido de alertar para a necessidade de conhecer a fundo a cultura de sua organização.

Diferentes tipos

Um dos maiores especialistas em cultura organizacional, com uma dezena de livros de sua autoria na estante e respeitado no mundo inteiro, é o filósofo e professor irlandês da área de administração, Charles Handy. Ele foi um dos primeiros a conceituar a questão e a criar uma tipologia. Veja a seguir os tipos de cultura da organização citados por Handy como os mais comuns.

1 - Cultura do Poder

Empresas que possuem a cultura do poder concentram a liderança em uma ou algumas pessoas, que são capazes de influenciar toda a Organização. No caso de empresas menores, esse poder geralmente está centralizado no dono da empresa. Neste tipo de cultura existem poucas regras, uma vez que as decisões são tomadas por aqueles que possuem poder de decisão.

2 - Cultura de Papéis

Seu foco está nas funções desempenhadas por cada indivíduo na Organização. O poder é determinado pela posição da pessoa na estrutura organizacional. É uma cultura orientada por regras, cargos e funções definidas. Isto pode gerar uma falta de flexibilidade na execução das tarefas, uma vez que cada funcionário só realiza o que foi determinado a ele. Normalmente resulta em profissionais mais acomodados.

3 - Cultura de Tarefas

A empresa que tem cultura de tarefas coloca seu foco nos projetos. O poder está nas mãos de quem tem a capacidade de resolver o problema, podendo ser uma equipe formada para tal, ou apenas um indivíduo. O diferencial dessa cultura está nos profissionais, que ocupam papel principal, assumindo responsabilidades e que conquistam liberdade para agir com criatividade em busca de soluções. É um tipo de cultura que geralmente influencia positivamente o clima na empresa e a motivação em geral. têm o grande poder de mantê-los motivados.

4 - Cultura de Pessoas

Na cultura de pessoas, o colaborador está sempre em primeiro lugar, independente do cargo que ocupa. Essas empresas valorizam muito o trabalho dos seus funcionários, a integração da equipe e o crescimento profissional de cada um. Nela, há a consciência de que a empresa existe porque as pessoas estão ali e constantemente são incentivadas e valorizadas.

Sucessores e cultura

Recomenda-se a quem vai trabalhar para uma empresa estar ciente da cultura da Organização desde o recrutamento. Mas o que recomendar para filhos e filhas que estão sucedendo seus pais nas empresas que já existiam, muitas vezes, antes de eles e elas nascerem? GÔNDOLA conversou com dois deles – Fernando Maglioni, Diretor Comercial da rede Supermercados Alvorada (16 lojas, Sul de Minas) e Arthur Bitarães, Diretor Administrativo da rede Mercopaulo, com três lojas em Viçosa – para conhecer a experiência deles, uma vez que ambos vivem exatamente este momento como sucessores.

Fernando Maglioni

“Desde o início, a adaptação à cultura da empresa foi muito tranquila. Eu sempre fui uma pessoa presente na operação mesmo antes de trabalhar. Sempre participei dos momentos de reuniões, rodar loja. O próprio pessoal de loja já me conhecia, rodando com meus tios, com meus pais. Fui estudar também para isso. Sempre fui muito humilde. Sempre tive facilidade de me relacionar com o pessoal. Acho que isso fez com me recebessem com muita tranquilidade. Desde os meus diretores, que são meus tios, o pessoal de loja, eu sempre tive muito respeito. Nunca fui de ficar criticando. Sempre tive muito jeito para abordar. O que eu via na cultura da empresa naquele momento: uma cultura muito familiar, os diretores muito presentes na operação da loja, na rotina, no atendimento. A família Alvorada é o que prevalecia na época. E isso vem continuando. É claro que a empresa veio crescendo na proporção em que eles não conseguem mais, até por questão de idade, estar tão presentes. Mas sempre em reuniões e conversas, os fundadores enfatizaram esse lad: do bom de estar próximo, de pensar na comunidade, na sociedade, de que o funcionário tem que estar satisfeito". 1

Frisam também que a empresa precisa ter um relacionamento transparente. Eles sempre foram assim, como um livro aberto em relação a números, metas, objetivos. Acho que tudo isso nos favoreceu nesses anos. Desde os encarregados, do pessoal de base, sempre tiveram muito acesso aos dados, ao que precisava ser feito. Fazíamos muito comparativo entre lojas. Só de dar essa condição de transparência de informações já mostra que você está comprometido com a equipe. Era uma cultura de muita proximidade, muito familiar. Não tinha isso de que é ‘o chefe que manda’. Era tudo resolvido muito em conjunto. Com o crescimento da empresa foi diminuindo um pouco nos detalhes, mas o objetivo continuou sendo o mesmo: exposição de dados, troca de informações, interação entre áreas. Como a gente dá um exemplo de união entre os irmãos, que são quatro, a gente propaga isso nas lojas. O stress é baixo. Hoje a gente tem uma harmonia boa para trabalhar.

A regra é clara. A gente tenta sempre buscar o consenso. Evitar dividir. O importante é sempre estar somando. Creio que consegui assimilar bem esse lado e estou dando sequência. Acho que esse stress nosso é baixo, mesmo com toda a concorrência que temos enfrentado. Esse lado da nossa cultura de valorizar o ambiente de trabalho, o ambiente da família Alvorada. Às pessoas que estão conosco a gente sempre busca que seja uma extensão da casa deles. Que fiquem sempre motivados para trabalhar.

Hoje, como a empresa foi crescendo, a gente procurou formalizar um pouco mais. Um padrão maior entre as lojas, tanto na operação, no atendimento, de RH, de estrutura física. Tudo isso precisou de quebrar um pouco de paradigma. Algumas coisas estavam burocratizando demais, mas mesmo assim foi essencial para esse lado da nova geração ter vindo com essa munição, essa possibilidade de colocar as coisas mais formalizadas e aí dar uma nova etapa para a empresa”.

Arthur Bitarães

“Na verdade, minha família trouxe a empresa para dentro de casa. Fui criado na empresa. Tudo começou a partir dos meus 13 anos de idade. Conflito tem; vai ter a vida inteira; acho que no fundo o varejista é feirante. Vive de comprar e vender. Comprar melhor para vender melhor e vender mais. Nossa cultura é de varejista, que não tem nada muito estudado e relatado a respeito. É um empreendedor de “couro duro”, que acorda às 3 horas da madrugada para resolver o abastecimento de hortifrúti.

Há cerca de sete anos, a empresa era um sacolão. Hoje é um supermercado. Acredito que meu irmão André (tem 33 anos) e eu (31 anos), viemos somar e trouxemos para a empresa um pouco do conhecimento que adquirimos na universidade. Acho que influenciamos na cultura da empresa para que o Mercopaulo se tornasse mais formalizado e ampliamos ainda mais nosso comprometimento com o bem-estar do cliente.

1No momento, contamos com uma equipe de 70 colaboradores e acredito que temos conseguido manter um clima muito bom na empresa. O pessoal veste muito a camisa. É um dos pilares de nossa cultura investir na formação da equipe. Ter esse lado humano com o colaborador. Transmitir sempre a ideia de que cada um pode e deve crescer profissionalmente. Isso ajuda muito a trazer a pessoa para o time. O cliente acaba recebendo toda a consequência positiva dessa atuação em relação à equipe. É a nossa visão de um capitalismo consciente, em que uma empresa pode agregar muito valor, seja com sua equipe ou com seus clientes. As ações de uma empresa têm muito impacto. Ela emprega, ela muda vidas”.

Matéria publicada originalmente na edição 304 da revista GÔNDOLA 

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