São cerca de 360 mil em 10,7 mil lojas só no mercado mineiro, em posições que vão de operadores de loja a altos executivos. Em muitos casos, esses profissionais das mais altas funções começaram lá de baixo, como embaladores, por exemplo, ainda na adolescência. Sim, os supermercados estão entre os maiores empregadores de jovens, que têm no setor sua primeira oportunidade formal de trabalho e onde recebem treinamento para fazer carreira.
Mas, exatamente quem oferece tantas oportunidades de ascensão profissional, que escancara as portas para recrutar e investe alto para treinar jovens ainda no primeiro emprego e abre a eles uma carreira para toda a vida, tem, historicamente, um grande desafio: o turnover, ou a rotatividade de colaboradores.
Uma justificativa de especialistas e empresários são fatores intrínsecos ao setor. Portanto, não há como se desvencilhar deles. Ter que abrir as portas todos os dias, por ser um setor essencial, afasta quem não quer trabalhar aos finais de semana e feriados. Os altos custos do setor impedem a remuneração melhor, sob pena de inviabilizar financeiramente a empresa, que emprega um número grande de pessoas.
Mas, afinal, onde estará a conexão entre as muitas oportunidades ofertadas nos supermercados, seja para a atração ou promoção, com os muitos talentos que podem ser captados e lapidados? Num setor que "fabrica” sua mão de obra, que faz em casa suas lideranças, não faltam profissionais com toda a carreira de duas, três décadas ou mais desenvolvida no segmento, e até mesmo numa única empresa.
Engajamento
A especialista e consultora em Recursos Humanos (RH), Renata Vanucci, da Vanucci Inteligência de Mercado, avalia que falta ao setor a preocupação em trabalhar o engajamento dos colaboradores. “Existem inúmeros programas que podem fomentar o engajamento. O que vejo são vários supermercadistas utilizando de forma incorreta os benefícios”, justifica.
Renata, que ministra treinamentos no varejo, como o Gestão Nota 10 (G10), oferecido pela Associação Mineira de Supermercados (AMIS), afirma que o índice de turnover no setor, considerado “suportável” pelo mercado é de até 5%. Mas ela diz que falar em média “é algo bem complicado”, e que o ideal é primeiro "se preocupar em olhar para dentro de casa”.
Isto é, conhecer a média dos últimos dois anos; a variação por trimestre; se houve troca de gestores, de processos e efeitos sazonais ou de concorrência com outros setores econômicos, por exemplo.
“Enfim, para se ter o número é preciso analisar todos os movimentos internos e externos. E não só ficar preso a médias de mercado, que muitas vezes não irão trazer a realidade do negócio”, ensina.
Conjunto de fatores
Do alto da responsabilidade de quem lida com 25 mil colaboradores em todo o estado, a gerente de RH do Supermercados BH, Elizene Andrade Souza Martins, concorda que o turnover continua sendo um dos grandes desafios do setor. Ela também aponta que isso ocorre por “um conjunto de fatores”, como o perfil da geração, o mercado de trabalho da regional ou a escala de trabalho que contempla finais de semanas, feriados e os horários no período da noite. Mesmo com a garantia de que podem construir carreira na empresa ou no setor, esse perfil jovem da mão de obra é mais um complicador para os RHs. “Grande parte do nosso público é de primeiro emprego e tem características imediatistas; sendo assim, possuem expectativa de crescimento profissional em curto prazo”, justifica Elizene.
Na rede Barbosão, com sede em Araxá e dez lojas no Alto Paranaíba, a gerente de RH, Mariana Barcelos Cunha, também vem tendo dificuldades com o turnover. “Sem sombra de dúvidas, nosso segmento se encontra em um momento desafiador diante desse cenário”, reconhece. “Embora sejamos responsáveis pelo crescimento frequente de empregos em nosso País”, analisa.
Para ela, há ainda mais um fator contra. Com atuação em uma região de forte crescimento econômico, especialmente da indústria e agronegócios, a rede tem uma concorrência ainda maior pela mão de obra. “Sim, em nosso caso a região tem crescido bastante. E com o fim da pandemia, o aquecimento nesses setores nos impede de reter muitos colaboradores”, afirma.
A tecnologia tem ajudado no processo de recrutamento e seleção. As empresas vêm investindo em sistemas de recrutamento, o que tem possibilitado maior agilidade e efetividade no processo. “Mas ainda valorizamos o olho no olho com os candidatos, por nossa característica de empresa acolhedora”, resume Elizene, do BH.
Geração Z: desafio A
Nativos do tempo das mídias sociais, em que um anônimo vira celebridade da noite para o dia; para quem a comida está mais ligada ao aplicativo do que ao fogão e que a compra não pode estar mais longe do que dois ou três cliques, a geração Z, como são chamadas as pessoas nascidas no final da década de 1990 para a virada dos 2000 e maior contingente no setor, é mais um desafio. Inquietos, para quem a agência bancária significa um aparelho de celular com boa conexão e que preferem digitar (com grande rapidez) uma mensagem no aplicativo a atender uma ligação telefônica convencional, toda essa inquietude agora chega ao ambiente de trabalho.
“Você não consegue fixar a atenção deles em nada. Querem as coisas de forma muito rápida e muitas vezes o menino entra na empresa e em 30 dias já quer ser promovido, quer aumento, quer mudar de setor”, ilustra o diretor do Supervale Supermercados, com quatro lojas em Poços de Caldas, Márcio Roberto de Oliveira. "Na realidade, isso é irreversível. Nós temos que conviver com isso, e temos que nos adaptar a essa situação”, aconselha.
Para ele, os diretores e gestores precisam usar uma nova linguagem e uma nova forma de cobrar e de ensinar. “O acompanhamento é diferente do que era 20 ou 30 anos atrás, isso não resta dúvida e esse quadro não muda. As empresas têm que trabalhar bastante, abrir a mente, mudar a forma de comunicar com esse pessoal, de incentivar e de trabalhar no dia a dia e se adequar à realidade de hoje. A busca nossa é essa”, afirma Oliveira.
Elizene, do Supermercados BH, afirma que a integração de gerações dentro da loja é outro desafio. O gestor, diz ela, precisa de muita comunicação e acompanhamento para valorizar as qualidades individuais e desenvolver o melhor de cada um. “A geração Z, por ter um caráter de dinamismo, interatividade e flexibilidade, se torna mais predisposta à intolerância com relação a rotinas profissionais e rotatividade de empregos; então, são os que mais saem, mesmo”, aponta.
Mariana, do Barbosão, concorda que há sim essa falta de apego ao trabalho pela geração Z. "Em absoluto. Lidar e reter esse perfil são um trabalho mais do que desafiador”. Segundo ela, a dificuldade, na maioria das vezes, é despertar nessa geração a vontade de fazer parte de um time e permanecer nele. “O desapego em suas atitudes é, em sua maioria, um balde de água fria em nós, recrutadores. Frustram-se com muita facilidade e desistem sem nem bem começar. Não é fácil”, reclama.
A consultora Renata Vanucci recomenda algumas ações que podem ajudar no trabalho com os jovens. “É fato que trabalhar com a nova geração, a geração Z, não é tão fácil assim, mas é preciso ter resiliência e bons programas de capacitação e retenção, para a redução da rotatividade”, sugere.
Renúncia
Como se não bastasse o comportamento de pouco apego ao trabalho, próprio da geração Z, mudanças de comportamento dos trabalhadores mundo a fora, acentuadas pela pandemia, devem refletir no setor em curto e médio prazos. São fenômenos como a “The Great Resignation" ou “a Grande Renúncia”, em português, que devem afetar o mercado nacional. Isto é, em um grande volume de pedido de demissão. Trabalhadores estão, cada vez mais, deixando o trabalho, por conta própria, e sem ter outro em vista, para “viver a vida”, aliado também a fatores como insatisfação com a carreira ou em nome de equilíbrio da vida pessoal e profissional.
O fenômeno surgiu nos Estados Unidos durante o isolamento social e começa a ganhar escala global. “Isso já é uma realidade. Colaboradores pedem demissão sem nenhuma justificativa de outro emprego ou outro projeto pessoal e sem nenhum problema com a empresa”, confirma Elizene. “Saem elogiando a gerência e a empresa, mas simplesmente não querem continuar trabalhando. Inclusive, vários veículos de comunicação têm divulgado o crescente número de brasileiros que pedem demissão no Brasil por mês, fenômeno que não acontecia antes da pandemia”.
Para o setor supermercadista é mais um complicador. Afinal, por mais flexível que a empresa seja, não há como colocar uma operadora de caixa, um açougueiro ou padeiro de em home office. Um setor tão essencial à população e “feito de gente”, precisa de pessoas, in loco, na operação diária.
Economia local
Para quem atua em diversas cidades e regiões, há também as particularidades da economia local, e outros setores acabam atraindo profissionais do varejo. “Em grandes centros urbanos, onde ofertas de emprego são maiores ou onde concorremos com indústrias e mineradoras, o turnover é maior e a candidatura para vagas dos supermercados é menor”, confirma a gerente do BH.
Mas há certas cidades com perfil econômico mais voltado para o comércio, onde a situação é melhor. “Realmente algumas regiões, cuja característica é mais de comércio local ou onde faltam oportunidades de emprego, possuem maior oferta de candidatos, sim, e consequentemente os colaboradores permanecem muito mais tempo na empresa”, afirma. Ela cita, por exemplo, o Norte de Minas, onde o turnover “é baixíssimo”.
Ações de retenção
Diante de tantos desafios, as empresas se movimentam para oferecer incentivos aos colaboradores para ficarem e crescer profissionalmente. "A empresa tem investido bastante em treinamentos com foco em formação de equipes, desenvolvimento pessoal e liderança e, de forma sistêmica, mostrado aos colaboradores a grande possibilidade de construir uma carreira. Além disso, oferece benefícios com vários tipos de convênios, como faculdades, farmácia, escola de idioma, tíquete alimentação, plano de saúde e odontológico”, ilustra Elizene.
Outra informação da gerente do Supermercados BH é que a comunicação com os colaboradores é constante, e na vivência prática ele tem a comprovação de que o crescimento é possível. “Ele vê efetivamente colegas sendo promovidos internamente, e na maioria das vezes o gestor veio da base e recebeu uma oportunidade interna”.
30 anos de casa
No Supervale Supermercados, empresa com 39 anos de mercado, existem colaboradores com mais de 30 anos de casa, e não são raros também outros com mais de cinco, 10, 15 anos. O segredo para isso? Valorização.
Quando se fala em valorização, nem sempre a remuneração financeira vem em destaque. “Essas pessoas ficaram por vários motivos, como pontualidade de pagamento, a forma de reconhecimento, a seriedade no trato com as coisas, enfim, uma série de situações”, explica Oliveira. Entre os benefícios aos colaboradores, estão cesta básica, plano de saúde e, para profissionais de sub gerência e de gerência, premiações e um vale-alimentação mais elevado.
Além disso, a empresa instituiu uma premiação por meta de vendas como forma de incentivar o trabalho dos profissionais das áreas açougue, frios e de padaria, com uma gratificação de R$ 100 ou R$ 150. “Isso tem sido um grande incentivo para eles venderem mais no setor”, afirma Oliveira.
Outra ação é a indicação, pelo gerente, de cinco pessoas por loja para concorrer ao prêmio de destaque do mês. A indicação obedece a alguns critérios, como não ter faltado sem justificativa. O funcionário indicado recebe o reconhecimento, faz uma foto comemorativa e recebe um vale-compra no valor de 10% do seu salário. A foto vai para o quadro de pessoal na entrada da loja, o que tem agradado muito os colaboradores. “Tem surtindo um efeito muito positivo. Aquele que não ganha quer saber por que não ganhou, por que nunca foi indicado. Isso mostra mais preocupação com o trabalho”, acredita o diretor.
Reestruturação
A rede Barbosão está reestruturando as políticas no RH para incentivar de maneira mais eficaz a permanência de profissionais. “Incentivamos a profissionalização dos colaboradores através da universidade corporativa e premiamos aqueles que mais realizam treinamentos no período. Outros benefícios oferecidos atualmente são desconto para compras em nossas empresas, seguro de vida e plano odontológico”, ilustra.
Para Renata Vanucci, da mesma forma que a empresa se preocupa em atrair clientes, também deve se preocupar em atrair os melhores talentos da região. “Ter salários equilibrados com o mercado em que está inserido, benefícios adequados ao negócio e bons programas de valorização dos empregados são a chave para o sucesso”, diz. Ela lembra que são as pessoas bem orquestradas e em sintonia que trarão o resultado. “Sem um time engajado, o resultado demora mais a chegar”.
Por fim, ela avalia que é importante investir nas pessoas e que é necessária uma mudança cultural, com o olhar e cuidados voltados ao engajamento. Renata afirma que o colaborador precisa querer
fazer, e ele só irá querer fazer se se sentir parte do negócio. O empregador precisa “dizer” que o colaborador é importante e que as atividades que ele executa, por mais simples que sejam, impactam nos resultados da empresa. “Uma meta alcançada merece ser comemorada com quem fez acontecer. É preciso vibrar com o colaborador a cada conquista. Ele precisa querer estar ali, e quem vai despertar isto nele, sem dúvida, será o líder”.
Terceira idade
Outra medida que cresce continuamente para reposição à rotatividade de colaboradores é a contratação de pessoas da “terceira idade”. Muitos deles já se aposentaram, mas não querem ficar em casa e podem ser boa alternativa para o setor. Segundo Renata, da Vanucci Inteligência, o setor deve, sim, investir no profissional “maduro”; porém, é preciso tomar cuidados em que posto empregar.
“Por exemplo, esse público é excelente para ocupar posições como operador de caixa e atendimento de padaria, ou até mesmo no açougue, desde que sua condição física esteja de acordo com a atividade que irá exercer”, diz ela. “Lembrando que em algumas atividades do setor exige-se a permanência de todo o tempo em pé ou sentado, e por vezes carregar algum tipo de peso. Por isso a importância de se descrever corretamente os cargos e perfis para definir a pessoa certa no local certo, independentemente de sua idade”.
Elizene, do BH, afirma que apesar de a maior parte das contratações ser de jovens do primeiro emprego, a empresa busca pessoas com mais de 60 anos “por serem mais cooperativos, terem mais facilidade para manter rotinas e contribuírem muito no desenvolvimento da equipe com sua experiência de vida somada à profissional”. Essa tem sido a saída também na rede Barbosão.
Segundo Mariana, a linha de frente (caixas, empacotadores e operador de loja) hoje é composta de 46% de homens e mulheres com mais de 50 anos. “Abrir novamente espaço para essa geração nos permite operar com mais constância e equilíbrio”, revela. Somadas às oportunidades para os 50+, a empresa aumentou também as turmas de jovens aprendizes em 6% nas lojas, além da cota legal. “No processo de aprendizagem, por ser primeiro emprego e não exigir nenhuma experiência, temos tido sucesso em efetivar muitos desses jovens em áreas específicas como reposição e atendimento de balcão”.
Matéria publicada originalmente na edição de julho da revista GÔNDOLA.
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