Em 16 de junho de 2017, Jeff Bezzos já ocupava a terceira posição de homem mais rico do mundo na lista da revista Forbes e a empresa que lastreava sua fortuna, a Amazon, o posto de número um no e-commerce dos EUA. A fortuna de Bezzos e a Amazon eram o exemplo do sucesso digital, em que as pessoas compravam on-line e recebiam o produto em suas casas ou onde quisessem, sem precisar colocar os pés em uma loja.
Mas, exatamente naquele dia do verão norte-americano, Bezzos anunciava a compra da Whole Foods, uma rede de 800 lojas físicas de supermercados espalhadas por todo o país e, mais que isto, explicava o porquê: as operações da Amazon seriam integradas ao funcionamento das lojas “feitas de tijolo e cimento” da rede de supermercados e vice-versa. Estava dada a largada para uma nova era no varejo em todo o mundo, a era Phygital (como passou a ser chamada nos EUA) ou “figital” (traduzida para o Brasil).
“De fato, a compra da Whole Foods pela Amazon é uma data de referência histórica para entendermos o figital”, concorda Eduardo Terra, presidente executivo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), “pois representava, naquele momento de 2017, a consolidação em larga escala, com duas gigantes do varejo envolvidas, de ações que já vinham sendo desenhadas e testadas por muita gente a partir do conceito de omnichannel, que neste caso mostrava a viabilidade da integração dos canais digitais com os físicos”.
Segundo Terra, pelo menos 10 anos antes os debates sobre tendências do varejo estavam dominados apenas pelo conceito omnichannel, que incentivava as empresas a desenvolverem estratégias para multiplicar e diversificar seus canais de venda, como por exemplo um mesmo grupo supermercadista ter operações de lojas de vizinhança, cash&carry, conveniência, lojas gourmet e um e-commerce. Essas operações poderiam ser feitas em separado, parcialmente integradas ou com integração total.
Em pouco tempo de aplicação efetiva do conceito omnichannel se descobriria que a integração total de dois membros da cadeia de formatos de um grupo – o e-commerce com as lojas físicas, por exemplo, fazia muito sentido e já dava resultado, incentivando a evolução de ferramentas digitais que facilitassem à ‘omnicalidade’ encontrar todo o seu potencial. “Foi a partir de 2018 que, na ‘Retail Show’, da NRF, em Nova Iorque, que a palavra phygital começou a ganhar força de uso”, lembra Terra, enfatizando que o “figital” pode ser visto como um componente ou consequência da omnicalidade e, não necessariamente, um conceito em si.
Ominicanalidade
“Na minha opinião, é a real expressão da omnicanalidade. O conceito de ominicanalidade era empregado para algo que não era ominicanal. Era multicanal. A empresa tinha uma operação off-line e lançava uma operação on-line, e isso não era integrado. Ela até chamava de omnichannel, mas não deveria. Eram operações em separado. Não conseguiam usar os mesmos recursos de um no outro; não conseguia sair de um e ir para o outro em uma mesma jornada de compra”, argumenta Vinícius Aroeira, diretor de Finanças, Processo e Tecnologia do Grupo Supernosso.
“Por engano, se chamou durante muito tempo o multichannel de omnichannel. E o figital é a fusão dos canais. É realmente fazer com que o físico seja digital e o digital, físico. É a integração desses canais. Mas se não estiverem integrados o físico e o digital, não é figital!”, explica. Para Vinícius, “quando passo a ter [as ferramentas digitais] influindo na jornada do cliente de forma integrada, aí sim eu tenho o figital”.
Ele dá exemplos: “Compro no site e retiro na loja. Se tenho um problema na loja física, posso reclamar de forma digital; os produtos se interagem; o meu comportamento de compra em uma jornada on ou off-line é utilizado para oferecer vantagens em uma nova jornada, seja a nova on ou off. Essa integração faz com que o figital de fato aconteça”.
Integração
Para se ter uma ideia do que Vinicius tenta explicar sobre integração figital, é preciso saber que seu trabalho oferece o desafio permanente de integrar, por meio da tecnologia, os diferentes formatos do Grupo, que é hoje a sexta maior rede mineira supermercadista em faturamento e 23ª no Brasil, de acordo com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras). A empresa registrou faturamento de R$ 3,21 bilhões em 2021, quando completou 70 anos de mercado, e conta com mais de 8 mil funcionários.
Ao todo, são 18 lojas Supernosso, 12 lojas de proximidade com a bandeira “Momento Supernosso”; um canal de vendas on-line do supermercado (o “Supernosso em Casa”) e 18 atacarejos com a marca Apoio Mineiro, além do canal de vendas on-line, o “Apoio Entrega”. Também integram o Grupo uma indústria, a Raro Alimentos, e as distribuidoras especializadas DecMinas e DaMinas, que atendem mais de 800 municípios mineiros.
Clube
Um dos melhores exemplos de ação figital no Grupo é o Clube Supernosso. “É uma experiência figital total”, detalha Vinícius. “Ela começa com o push gerado pelo app que está no celular do cliente, mas se o cliente quiser, começa no push e acaba na loja on-line. Temos toda uma inteligência por trás do push para oferecer aquilo que mais se associa ao seu perfil de compra do cliente”, explica Vinicius. “A gente vem melhorando muito. Nossos índices têm melhorado. Qual o melhor algoritmo para chegar no ponto ótimo de conciliação entre resposta ao impulso digital e a realização da compra física? É um desafio permanente para ser vencido”.
Vinicius chegou para trabalhar no Grupo há cinco anos e já encontrou em funcionamento o e-commerce “Supernosso em Casa”, hoje o supernosso.com. “O e-commerce do Supernosso é de 2013. Foi um dos primeiros a serem implantados no Brasil e certamente um dos primeiros em
Minas. Foi um dos desbravadores”, ressalta Vinícius. “O balanço é muito positivo no e-commerce do Grupo, que sempre teve esse DNA de inovação. E inovar não é ter ‘tecnologia da NASA’. É agregar valor. Hoje, há uma febre de cash&carry. Em 2002, o Apoio Mineiro inovou com a venda para pessoas físicas, não só para o CNPJ. Hoje se fala em dados, dados e mais dados. Em 2009, a gente já tinha começado a capturar dados de cliente em suas compras”.
Dois dígitos
O e-commerce representa algo em torno de 20% do faturamento do Grupo e foi decisivo para os bons números da empresa na pandemia e também depois dela. “O nosso e-commerce já estava bem consolidado quando a pandemia veio. Uma boa parte do mercado teve que correr atrás de algo que já tínhamos. É claro que no pós-pandemia haveria uma menor presença no e-commerce, mas no nosso caso continuamos crescendo acima de dois dígitos”, relata.
Ele lembra que em 2018 a empresa trouxe a retaguarda do e-commerce para o Centro de Distribuição, antes restrito a atender somente as lojas físicas. Isto ampliou a capacidade instalada de processamento de pedidos. “Em 2019, trocamos a plataforma, que era de uma software house local, por uma de alcance global. No início de 2020, quando ainda não havia a pandemia, iniciamos a operação onmichannel no e-commerce, de maneira que se uma loja estivesse próxima do destino de um pedido, ela poderia atender. Quando veio a pandemia, escalamos para várias lojas. No auge da pandemia, fomos o primeiro e-commerce do Brasil a retomar a entrega no dia seguinte”.
Lab
Por falar nisso, Vinicius dá a dimensão desse diferencial. “Entregar é a parte mais desafiadora do e-commerce de supermercado. Os produtos frescos são um desafio. E é você que seleciona os produtos frescos que vão para o cliente. Na loja física, é o cliente que faz sua própria seleção. Veja o tamanho do desafio”. Mas nada que uma boa equipe não possa ajudar na solução. Apoiando o diretor estão diretamente 130 pessoas, atuando no Lab de tecnologia, formado por quatro tribos e três squads.
Recentemente, o Supernosso iniciou sua expansão no interior de Minas e as lojas distantes da Região Metropolitana de BH já estão nascendo com pegada figital. “O interior quer esses serviços. Quer comprar também on-line, ter os clubes, etc. Começamos com tudo organizado para atender nossa estreia em Curvelo”. A cidade está a cerca de 170 km da Capital. “Não se pode fazer mais ou menos. Tem que gerar uma boa impressão já no primeiro pedido. A equipe omnichannel tem que estar montada, com encarregado, equipamentos, treinamento, etc.”
Figital, uai
O pioneirismo do Grupo Supernosso na ominicalidade e na área digital é reconhecido no trade supermercadista mineiro, mas há hoje uma crescente quantidade de players com ações semelhantes, cada vez mais adequadas na direção de estarem capacitados para atender o cliente na demanda que apresentar ou mesmo nas que sequer imagina, nos mundos físico e digital. Apenas para listar alguns desses players, em ordem alfabética: ABC, Bahamas, BH, DMA, Mart Minas, Verdemar, as empresas multinacionais, várias centrais de negócios e muitas redes de pequeno e médio portes.
Por assim dizer, os supermercados mineiros estão se tornando “figitais, uai” e a pandemia certamente contribuiu para despertar a atenção para a tendência. Um exemplo é a rede D’Ville, de Uberlândia (MG), que tem quatro lojas gourmet na cidade e fatura cerca de R$ 130 milhões
por ano, com seus 38 checkouts e o apoio de 350 empregados. “Tiramos da gaveta a ideia que tinha ficado na vontade, em 2010, e que teve que virar realidade depressa em 2020 por causa da pandemia”, conta Leandro Borges Carrijo, CEO e sócio-proprietário da rede D’Ville.
CRM
Antes de ter seu e-commerce, a única ação mais ou mesmo figital era um atendimento via WhatsApp para clientes de grande fidelidade. “Agora temos o e-commerce, com o aplicativo “Clube D’Ville”, que tem o papel de atender e também apoiar a operação da loja física, e vice-versa”, explica Leandro. “É uma ferramenta forte de fidelização, com descontos e programa de pontos com troca por vouchers de compras na loja”. Cerca de 200 mil clientes baixaram o app e 20 mil fazem uso constante.
A rede oferece no e-commerce as modalidades delivery e de retirada na loja. “No e-commerce, foi tudo facilitado pela adoção, que já tínhamos feito antes, de um programa de CRM”, diz Leandro, que não esconde seu entusiasmo por essas inovações: “O CRM produz dados demais; isso é muito bom, mas tem que aprender a trabalhar melhor a ‘mineração’”, recomenda.
Reconhecimento facial
Se foram necessários 10 anos para o e-commerce da D’Ville sair da gaveta, e do mesmo compartimento o clube de fidelidade e o aplicativo, agora a “figitalização” na loja física está incluindo até o reconhecimento para pagamentos. Um piloto foi testado desde o início do ano na loja mais nova do Grupo, inaugurada em 2020 e, desde setembro, todos os checkouts da rede passaram a ter reconhecimento facial implantado, incluindo os self checkouts.
O sistema é mais simples do que se imagina. O dispositivo de reconhecimento utiliza um smartphone instalado em cada caixa. Os aparelhos de smartphone são em parceria e o fee pelo serviço de processamento custa algo em torno de R$ 800,00 por mês por checkout. Segundo Leandro, as vantagens são muitas. “Mais segurança, rapidez no checkout, e status para a rede, por mostrar inovação, vanguarda, conveniência para o cliente”, lista Leandro.
A adesão dos clientes tem sido boa e o sistema de reconhecimento permite que os pagamentos sejam realizados nove vezes mais rápido que nos processos anteriores, baseados no uso de dinheiro e cartões de crédito e débito. O novo sistema possibilita também a realização de campanhas de marketing com benefícios exclusivos e, no caso do D’Ville, a tecnologia está integrada ao aplicativo “Clube de Vantagens”. O cliente precisa realizar um cadastro no aplicativo e solicitar a opção de pagamento com a visualização do rosto. É necessário ter um cartão de crédito cadastrado no aplicativo para validar a compra.
Metaverso
Como a estrada pela qual viaja o “trem figital” parece não ter mais fim, é bom já ir prestando atenção no metaverso. Se em 2016 a digital Amazon fez história ao comprar a física Whole Foods, e integrá-las, agora é a vez de o Walmart dar sua contribuição à timeline “figital”. Desde os primeiros dias deste mês de outubro, a empresa que é líder omnichannel nos EUA, colocou definitivamente seus pés no metaverso. A porta de entrada está sendo a abertura de dois espaços na plataforma cada dia mais popular naquele país, a Roblox. Os clientes podem ir lá visitar a Walmart Land e o Walmart´s Universe Play.
A Walmart Land apresenta várias experiências imersivas, como uma loja virtual de mercadorias apelidada de “verch”. O espaço digital também oferece três experiências, incluindo uma Electric
Island, inspirada em festivais de música; uma House of Style, com camarins virtuais e desafios de pose e Electric Fest, além de uma celebração de captura de movimento com apresentações de artistas populares. Celebridades fazem parte do entretenimento, como Noah Schnapp, de “Stranger Things”, da Netflix, e o artista country Kane Brown.
O Universe of Play do Walmart fornece conteúdo para entretenimento e também destaca brinquedos populares antes da temporada de festas. Os usuários desta comunidade podem conferir diferentes mundos de brinquedos e participar de jogos imersivos com produtos e personagens de marca. O Universe of Play também permite que os usuários desbloqueiem recompensas, incluindo moedas, que podem ser resgatadas pela versão de seu avatar.
As experiências já estão disponíveis on-line. Os usuários podem acessar livremente o Walmart Land em Roblox.com e descobrir o universo de jogo do Walmart em qualquer dispositivo, incluindo PC, Mac, iOS, Android, dispositivos Amazon, consoles Xbox, Oculus Rift e HTC Vive. Ao abrir essas experiências por meio da plataforma Roblox – que afirma abranger 52 milhões de usuários diários –, o Walmart busca se conectar com consumidores mais jovens e ativos digitalmente.
Quem sabe em breve estaremos publicando em GÔNDOLA a reportagem “Metaverso, uai!”?
Publicação original na revista Gôndola 311 - Por Giovanni Peres
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