Mudanças no carrinho – perfil das compras tem mudado e novas marcas ganham espaço
09/02/2022 às 12:03

Arroz, açúcar, água sanitária, detergente, carne, cerveja, frutas, verduras, macarrão, pão. Pão? Pega mais!

“Percebi um aumento muito grande no consumo de pães na loja que tenho em Campo Florido”, afirma Josué Mota, sócio-proprietário do Supermercado União, com outras duas unidades em Conceição das Alagoas, no Triângulo Mineiro. “As pessoas estão comprando muito produto da área de padaria. Acredito que seja pelo hábito de fazer um lanche para substituir a janta”, concorda José Cláudio Alves, proprietário do Supermercado J Alves, com uma loja em Caratinga e outra em Dom Corrêa, no município de Manhuaçu.

Essa migração de consumo tem feito o varejo se adequar a novas demandas e significa oportunidade para novas marcas.

A gerente de contas sênior da Kantar, divisão Worldpanel, Beatriz Loureiro, analisa que logo no início da pandemia, especialmente nas famílias de classes C/D/E, verificou-se um aumento na aquisição de itens para elaboração de outros itens finais. A compra de ingredientes para bolos, por exemplo. Outra constatação foi o amplo consumo de itens mais baratos para a área de limpeza, como o cloro, em substituição aos de maior valor agregado.

Hoje, no entanto, ela disse que já se percebe uma mudança considerável no consumo. O consumidor continua, sim, escolhendo itens de marcas mais baratas, mas compra também “produtos de indulgência”. É o caso de levar o carrinho de marcas mais baratas, mas não abrir mão de seu chocolate preferido. “O consumidor passou a considerar muito o que faz sentido para ele”, avalia a gerente, destacando principalmente a adesão das classes C/D/E nesse movimento. “Quando analisamos essas classes, a gente vê um novo consumidor, que vem buscando produto básico, mas também o ‘indulgente’”, explica.

Mesmo sentindo fortemente a queda na renda, ou o desemprego, o consumidor vem deixando de lado os produtos que requerem preparo – como ocorreu no início da pandemia – e optando por itens mais práticos. “A escolha do consumidor não está sendo só pelo preço; ele busca a praticidade, também”, disse Beatriz.

A observação dela é exatamente o que confirma Josué Mota, do Supermercado União. Ele percebeu que o consumidor vem alternando muito a escolha em função de preço, mas sem optar pela marca de combate, a mais barata. “Num café, por exemplo, eu percebo que o cliente deixou de comprar a marca líder, mas ele não foi para a mais barata, porque quem gosta de café quer um produto bom, mesmo que não possa comprar o mais caro; mas ele quer qualidade”, afirma. 1

Nas duas lojas em Conceição das Alagoas, Mota percebe um retrato do consumo quanto à renda. Numa unidade, com foco no cliente A/B, ele percebe uma demanda muito direcionada aos itens que para outras classes são ditos supérfluos ou quase inacessíveis, como cortes mais nobres de carne bovina. Já na outra ponta, voltada para o cliente das classes C/D/E, a grande procura é mesmo por itens da cesta básica. “O cliente não tem deixado de comprar, mas ele vai para produtos de uma segunda marca”, confirma Mota.

Tripé

Nos estudos da Kantar/Worldpanel já se verifica, inclusive, mudança da demanda para um tripé que mais atenda as necessidades e desejos do consumidor. A conclusão é que ele vem escolhendo produtos que satisfaçam os seguintes quesitos: que faça sentido para ele, isto é, atenda ao “eu mereço”; que seja prático e que caiba no seu bolso.

A Kantar/Worldpanel constatou, por exemplo, o crescimento da venda de empanados. Outra categoria com expansão foi o macarrão instantâneo. São itens que atendem a esse tripé, por serem uma proteína mais barata, têm preparo muito prático e estão dentro do conceito de indulgência do consumidor de merecer algo que vai lhe atender, sem gastar muito o seu tempo.

Volta a crescer

Por outro lado, se na hora de o consumidor escolher o que é indulgente e prático, ele não olha tanto para o preço quando vai definir a compra dos itens básicos. Aí, sim, ele está muito exigente em relação ao custo do seu carrinho de compras. Segundo Beatriz, já há, por exemplo, uma redução no custo do café e do leite UHT em função de alta de preço. "Outro ponto importante é que o consumidor está sendo muito racional”, avalia.

Em sentido oposto, o refrigerante voltou a ganhar mais espaço na cesta de compras. Nada altamente significativo, mas algo de positivo para um item que vinha tendo queda de vendas nos últimos anos, como mostra, por exemplo, a Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), de 2017, do Ministério da Saúde em todo o Brasil. Pelo levantamento, o consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas caiu 52,8% (de 2007 a 2017) no país. É, portanto, uma retomada nesse período.

Outra categoria que vem ganhando mais espaço, segundo Beatriz, são os produtos de limpeza e de higiene doméstica de maior valor agregado. Ou seja, lá no início da pandemia a preocupação era matar o coronavírus. Agora, faz mais sentido ter uma casa perfumada, um ambiente doméstico mais agradável.

A gerente da Kantar/Worldpanel informa ainda que a abertura gradual da economia e os compromissos fora do lar fizeram o consumidor voltar a comprar mais também na área de higiene e beleza. Já em bebida alcoólica, como a cerveja, a percepção é que o consumo está crescendo fora dos lares. Essa constatação serve de alerta ao varejo para um novo momento da categoria.

Mudança com a pandemia

Recente estudo da própria Kantar divulgado no início de dezembro sinaliza que a possível evolução da pandemia pode levar o consumo domiciliar para diferentes caminhos. Com o aparecimento de casos da nova variante Ômicron no Brasil e muitas dúvidas sobre ela, surge o temor de novos períodos de isolamento social no País. Com isso, a Kantar criou três cenários para o mercado de bens de consumo massivo com base na taxa de contágios de Covid-19 e diferentes estágios da pandemia.

No primeiro e mais otimista desses cenários, uma redução em 5,8%/ mês nos novos casos e, portanto, com mais gente nas ruas, faria com que as vendas dos produtos do setor para consumo dentro de casa retraíssem 2,5% em valor. O segundo cenário prevê estabilidade tanto nos números de contaminações quanto no valor, que seria de +1,6%, porém com tendência de aumento do gasto médio e da frequência de ida ao supermercado.

Finalmente, um cenário pessimista, com 24% de aumento nos novos registros e retorno ao pico da pandemia, o consumo domiciliar subiria 3,9% em valor, tanto com maior tíquete médio quanto com maior frequência de consumo dentro de casa.

No Supermercado J Alves, José Cláudio observa que o conceito de marca líder vem sofrendo com a perda de renda do consumidor mesmo em itens de menor valor agregado, como o leite, categoria em que marcas menos conhecidas vão ganhando espaço. “O consumidor tem mudado muito. Essa é a realidade do momento que estamos vivendo”, observa. Para ele, o consumidor vem colocando na balança o consumo de marcas de que não abria mão e a renda disponível no ponto de venda. “Isso define a compra. Com a renda menor, ele vai para outras marcas”, diz.

Vez do peixe?

Além dos itens essenciais, que o cliente não deixa de levar no carrinho, não importando a marca e das que são insubstituíveis por consumidores mais exigentes, há também aqueles produtos que seguem tendência, seja pela saudabilidade, pela

praticidade ou pelo custo-benefício. O peixe, por exemplo, há tempos é tido como a proteína da vez. Será?

O gerente de demanda da Pescados Bem Fresco, Pedro Fonseca, verifica um crescimento na procura dos produtos. Para ele se deve, principalmente, aos aumentos de preços de outras proteínas e pela maior preocupação do consumidor com a saúde. A praticidade também influencia. “Outro fator que aumenta o consumo de pescados é a disseminação de formas fáceis e rápidas de preparo, como produtos congelados um a um, em filés ou já limpos, assim como receitas simples e rápidas de fazer utilizando a air fryer, por exemplo, ou o forno convencional”, detalha.

Com centro de distribuição em Contagem, na Grande BH, e previsão de abertura de outro em Serra (ES), em fevereiro deste ano, com produtos vindos de parceiros de todo o Brasil, da América Latina e Europa, a empresa tem verificado aumento crescente na demanda pelos pescados nos últimos cinco anos em índices de dois dígitos anuais e com aumento nos últimos dois anos, segundo informa o gerente. “De 2020 para cá, houve um aumento ainda mais rápido nesse consumo. Estamos falando de crescimento acima de 30% em algumas espécies, principalmente a tilápia e o camarão, que vêm se despontando como alternativas mais em conta”.

Potencial

Este ano pode ser também um período de maior crescimento ainda da seção de pescados nos supermercados, visto que o consumo per capita é baixo. “A média brasileira está próxima de 10 quilos por habitante, enquanto a média global é próxima de 20 quilos, segundo a FAO/ONU, o que confirma que ainda temos muito potencial de crescimento no Estado”, afirma Fonseca.

Para maior praticidade, a empresa vem investindo em novidades, como embalagens menores (400g ou 200g), que proporcionam a oportunidade para o consumidor experimentar novos tipos e incluir esses produtos na sua rotina alimentar.

A previsão para este ano é de crescimento, principalmente dos produtos nacionais, motivados pelo aumento do custo de frete e o câmbio, que tornaram os produtos importados mais caros. “O portfólio de produtos nacionais tem previsão de se manter competitivo em relação ao preço de outras proteínas e ter aumento de disponibilidade como consequência de investimentos realizados em toda a cadeia produtiva”, analisa Fonseca. “Assim, nossa expectativa é de puxar o crescimento da categoria, inclusive com novidades como o camarão, tambaqui e pirarucu, que estão tendo aumento da produção sustentável em cativeiro e terão boa oferta para 2022”.

Matéria publicada originalmente na edição 302 da revista GÔNDOLA

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